quarta-feira, 15 de junho de 2011


Entrevista a D. Athanasius Schneider à Paix Liturgique – reposição em português


(Fotos de S.E.R. Athanasius Schneider pondo em prática o espírito do Novo Movimento Litúrgico Beneditiano: )
A reforma da reforma promovida pelo Santo Padre é uma obra que vai avançando lentamente por lhe faltar, até ao momento, o necessário apoio por parte da hierarquia episcopal. Apesar de a maioria dos prelado se manter numa atitude de quem fica à espera, alguns houve que optaram por se lançar com entusiasmo e obediência na promoção do novo movimento litúrgico desejado por Bento XVI. Para nós, é uma alegria poder apresentar-lhes esta semana a primeira parte de uma conversa com um desses prelados, Sua Excelência Reverendíssima, o Senhor Dom Atanásio Schneider, bispo auxiliar de Karganda, no Cazaquistão, e autor do livro “Dominus Est”, sobre o rito da Comunhão — publicado em Portugal em Setembro de 2008 pela editora Caminhos Romanos – Unipessoal, Lda. (para informações, ac.azeredo@hotmail.com) e, no Brasil, em Maio de 2009, pela editora Raboni. É precisamente sobre esta questão da Comunhão que o Senhor Dom Atanásio nos hoje vai falar.
1) Antes de mais, será que o Senhor Dom Atanásio nos poderia apresentar a ordem religiosa a que pertence: os Cónegos Regulares da Santa Cruz, também conhecidos pelo nome de Cónegos de Coimbra?
S.E.R., Senhor Dom Atanásio Schneider: A ordem foi criada no ano de 1131, em Coimbra, em Portugal, por Dom Telo e São Teotónio, o primeiro português a ser canonizado. Fundaram-na com outros dez religiosos e optaram por seguir a regra de Santo Agostinho, pondo-se sob a dupla protecção da Santa Cruz e da Imaculada Conceição. A ordem conheceu logo um rápido crescimento.
Também ele português de nascença, Santo António de Pádua, chegou a pertencer à ordem antes de se juntar aos franciscanos. Em 1834, o governo português interditou as ordens religiosas. Sem embargo disso, para a Igreja, uma ordem só se considera extinta 100 anos após a morte do último dos seus membros. Tendo em conta esta disposição, o Primaz de Portugal decidiu relançar a ordem logo após o fim do concílio Vaticano II. O seu renascimento foi aprovado em 1979 por um decreto da Santa Sé, assinado pelo Senhor Dom Augusto Mayer, que então era o Secretário da Congregação para os Religiosos.
A ordem dedica-se à veneração da Santa Cruz e dos anjos, estando particularmente ligada à obra levada a cabo pelo Opus Angelorum. Tendo nascido na Áustria, em 1949, o Opus Angelorum veio a originar em 1961 a Confraria dos Anjos da Guarda, que tinha a vocação de reunir os “irmãos da Cruz”. A fundadora do Opus Angelorum, uma humilde mãe de família austríaca, Gabrielle Bitterlich, queria trazer uma ajuda espiritual aos sacerdotes e participar na expiação dos pecados destes através da prática da adoração eucarística.
O Opus Angelorum, depois de ter sido alvo de várias intervenções por partes da Santa Sé, com o intuito de clarificar o seu funcionamento, veio por fim a tornar-se, depois de 2007, na ordem terceira dos Cónegos Regulares da Santa Cruz.
A ordem conta com 140 membros, dos quais 80 são sacerdotes, e está presente na Europa, na Ásia e na América.
No seio da ordem, a Missa é celebrada de acordo com o Novus Ordo, mas “versus Deum”, sendo a comunhão distribuída segundo a forma tradicional, a mesma que o Santo Padre pôs em lugar de honra nas cerimónias a que preside: comunhão na língua estando os fiéis ajoelhados. Com esta opção, a ordem perpetua também a memória da fundadora do Opus Angelorum, que já muito sofrera com a generalização da comunhão na mão.
2) Senhor Dom Atanásio, foi este especial respeito pela Eucaristia que o incitou a entrar na ordem?
AS: Foi. É preciso que saiba que vivi durante 12 anos, os primeiros anos da minha vida, debaixo da tirania do comunismo soviético. Cresci com amor ao Jesus Eucarístico graças a minha mãe que era uma “mulher hóstia”, isto é, uma das pias mulheres que, assim que acontecia os padres serem presos ou interrogados pelas autoridades, tratavam de guardar secretamente a hóstia sagrada para evitar que fossem praticados sacrilégios.
Compreenderá, pois, como é natural que tivesse ficado chocado, aquando da nossa chegada à Alemanha, em 1973, ao descobrir como se dava a comunhão nas igrejas. Lembro-me de, ao ver pela primeira vez a comunhão a ser dada na mão, ter dito à minha mãe: “Mãe, mas é como quando nos dão os biscoitos na escola!”
Mais tarde, quando percebi que tinha a vocação ao sacerdócio, fui em busca de um caminho que também me permitisse ser, à minha maneira, um guardião de Jesus Hóstia. Quis a Providência que isto se desse precisamente no momento em que eram relançados os Cónegos da Santa Cruz.
3) Desde a sua eleição, ocorrida em pleno ano eucarístico, Bento XVI tem reafirmado constantemente a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia. E, depois da festa do Corpo de Deus de 2008, chegou mesmo a retomar o uso de dar a comunhão na língua estando os fiéis ajoelhados. Tocados por este exemplo pontifício, muitos sacerdotes, e frequentemente entre os mais jovens, começam a duvidar dos méritos a comunhão generalizada na mão, que, além do mais, é considerada por alguns como um dos maiores estragos saídos da reforma litúrgica. O vosso livro “Dominus Est” trata precisamente deste tema. De acordo com o Senhor Dom Atanásio, será certo dizermos, como o faz bispo Malcolm Ranjith no prefácio ao livro de Vossa Excelência Reverendíssima, que a comunhão na mão veio favorecer a diminuição da fé na presença real de Cristo e, por consequência, uma falta de respeito para com o Santíssimo Sacramento? E prova disso seria o relegar dos sacrários para certos cantos escondidos das igrejas, os fiéis que já não genuflectem diante do Santíssimo Sacramento, as comunhões sacrílegas, etc.
AS: Antes de mais, gostaria de sublinhar que acredito ser possível comungarmos com grande reverência recebendo a hóstia na mão. Mas, no modo de fazer que é mais comum, em que ministro e fiel parecem ter esquecido toda a sacralidade do acontecimento, tenho de admitir que a comunhão na mão contribui para um enfraquecimento da fé e para uma menor veneração do Senhor Eucarístico. Neste sentido, estou completamente de acordo com as observações de SER, o bispo Malcolm Ranjith.
Há algumas considerações que ajudam a compreender essas observações:
- Nada há aí que assegure a veneração relativamente aos fragmentos mais ínfimos da hóstia. Dói-me muito a perda de fragmentos da Santa Eucaristia, que é agora tão frequente por causa da prática quase geral da comunhão a mão. Não compreendo como é possível uma tal indiferença, que, com o passar do tempo, conduz a uma diminuição da fé na Transubstanciação, senão mesmo ao seu desaparecimento puro e simples…
- A comunhão na mão favorece muitíssimo o roubo das espécies eucarísticas. E por causa disso, cometem-se sacrilégios que em hipótese alguma deveríamos permitir.
- Além disso, a deslocação do sacrário vem prejudicar a centralidade da Eucaristia, mesmo numa perspectiva pedagógica: o lugar onde Nosso Senhor Jesus Cristo repousa deve ser sempre visível para todos.
4) Ainda que no princípio ela não tenha sido autorizada senão mediante um indulto, a comunhão na mão tornou-se a norma, e quase um dogma, na maioria das dioceses. Como se pode explicar esta evolução?
AS: Esta foi uma situação que se impôs com todas as notas próprias de uma moda e a impressão que tenho é a de que a sua difusão correspondeu a uma autêntica estratégia. Foi um hábito que se difundiu com efeito de avalanche. Pergunto-me a mim mesmo como pudemos tornar-nos insensíveis ao ponto de deixar de reconhecer a sublime sacralidade das espécies eucarísticas, Jesus vivo dentro de nós com a Sua majestade divina.
5) Até ao momento, foram muito poucos os prelados que decidiram imitar o Santo Padre dando também a comunhão da maneira tradicional. Ao mesmo tempo, há muitos sacerdotes que hesitam em seguir aquele exemplo. Crê tratar-se somente de simples resistências conservadoras (nas coisas dadas por adquiridas depois do concílio, no “acquis” do concílio, não se toca), ou, o que seria pior, tratar-se-á de um desinteresse pela questão?
AS: Não podemos julgar as intenções, mas uma observação exterior permite pensar que há realmente uma resistência, se não chegar a ser um efectivo desinteresse, relativamente à maneira mais sagrada e mais segura de receber a comunhão. É como se uma parte dos pastores da Igreja fizesse de conta que não vê o que o Sumo Pontífice está a levar a cabo: um magistério eucarístico pela prática.
6) No Motu Proprio que decretou, Summorum Pontificum, Bento XVI formulou um convite explícito ao recíproco enriquecimento das duas formas do único rito romano. Na opinião do Senhor Dom Atanásio, que de bom grado celebra nas duas formas do rito, em que aspectos poderia este enriquecimento manifestar-se de modo mais frutuoso?
AS: Temos de levar o Papa a sério. Não se pode continuar a agir como se ele não tivesse dito essa frase. Ou, aliás, como se ele não a tivesse escrito. Claro está que, mesmo sem que haja necessidade de rever os missais, há meios para proceder a uma aproximação das duas formas do rito.
Uma primeira ideia poderia ser a de celebrar versus Deum a partir do Ofertório, como de resto é previsto pelas rubricas do novo missal. Com efeito, o missal de Paulo VI indica claramente dois momentos em que o celebrante se deve voltar para o povo. Uma primeira vez, no momento do “Orate fratres”, e uma segunda, quando o sacerdote diz “Ecce Agnus Dei”, por altura da comunhão dos fiéis. Que significado dar a estas indicações senão a de que o sacerdote deverá estar voltado para o altar durante o Ofertório e o Cânon? Em Setembro de 2000, a Congregação para o Culto Divino e para a Disciplina dos Sacramentos publicou uma resposta relativa a um quesito sobre a orientação [posição] do sacerdote durante a Missa. Ao explicar que «a posição versus populum parece a mais cómoda na medida em que ela torna mais fácil a comunicação», ela precisava, no entanto, que «supor que a acção sacrificial deve ser orientada principalmente para a comunidade seria um grave erro. Se o sacerdote celebra versus populum, coisa legítima e frequentemente aconselhável, a sua orientação espiritual deve estar sempre voltada para Deus por Jesus Cristo».
Parece-me que, hoje e dia, esta resposta que vinha defender a celebração face ao povo poderia ser adaptada à nova realidade criada pelo MP Summorum Pontificum mediante uma recomendação no sentido de se celebrar voltado para o Oriente a partir do Ofertório.
No que toca à comunhão, a Santa Sé também poderia publicar uma recomendação universal a fim de lembrar o que está previsto na Instrução Geral do Missal Romano, no seu artigo 160°: «Os fiéis comungam de joelhos ou de pé, segundo a determinação da Conferência Episcopal. Quando comungam de pé, recomenda-se que, antes de receberem o Sacramento, façam a devida reverência, estabelecida pelas mesmas normas.» Cabe pois sublinhar que a primeira forma de comunhão a ser referida pelo texto oficial da Igreja destinado a comentar o Novus Ordo é a forma de comunhão de joelhos…
Uma outra possibilidade de enriquecimento da nova liturgia seria a de que as leituras da Bíblia Sagrada fossem feitas por homens em vestes litúrgicas e em caso algum por mulheres ou homens vestidos à civil. E isto porque as leituras são feitas no presbitério, um lugar que desde os tempos apostólicos é reservado ao sacerdote e aos ministros ordenados, aí se incluindo os clérigos com ordens menores. Só na falta destes últimos é que um leigo (homem) podia vir suprir. O serviço do altar, de leitor ou de acólito, não é um exercício do sacerdócio comum, fazendo antes parte do sacerdócio sagrado, em especial do diaconato. É por esta razão que, pelo menos a partir do século III, a Igreja concebeu as ordens menores como uma espécie de introdução às diferentes funções contidas no exercício do diaconato, como, por exemplo, a guarda do santuário e o chamamento dos fiéis à liturgia (ostiário), a leitura da palavra de Deus durante a liturgia (leitor), expulsar os espíritos malignos (exorcista), transportar a luz e servir ao altar (acólito). Assim, é-nos mais fácil compreender porque é que, tradicionalmente, a Igreja reservou a atribuição das ordens menores e a instituição de leitores ou de acólitos apenas a fiéis homens.
Neste sentido, bem se compreende que um dos enriquecimentos permitidos pela aproximação das duas formas litúrgicas consistisse em retornar à sã tradição de reservar o presbitério apenas aos homens: diáconos, acólitos, leitores e crianças de coro (ou coroinhas), todos eles devem ser do sexo masculino. De nada adianta que nos lamentemos do descalabro das vocações quando os rapazes deixam de ser chamados para o serviço do altar.
Por fim, a oração dos fiéis deve ficar reservada apenas aos diáconos, acólitos ou leitores, todos com hábitos litúrgicos. Até seria mais coerente com a tradição bimilenar da Igreja, tanto ocidental como oriental, que esta oração dos fiéis, ou oração universal, fosse proclamada, ou melhor ainda, cantada, unicamente pelo diácono, pois que antes ela recebia o nome de “oratio diaconalis”. Na falta de diácono, seria bom que fosse o próprio sacerdote a lê-la, como de resto acontece com o evangelho. O termo oração dos “fiéis” não significa que a sua proclamação seja uma função dos fiéis. Acreditar nisso seria um erro histórico e litúrgico. De facto, o que isso indica é que ela decorria ao início da missa dos fiéis, depois que tivessem saído os catecúmenos, e quando o diácono ou o sacerdote oferecia à Majestade Divina as intenções de toda a Igreja, e portanto de todos os fiéis, daí o seu nome.
7) E no que respeita à forma extraordinária? De que maneira poderia ela enriquecer-se ao contactar com a forma ordinária do rito romano?
AS: Eu diria que se poderia aplicar à forma extraordinária o espírito que anima os últimos elementos que citei a propósito do Novus Ordo. As leituras sagradas deveriam ser sempre acessíveis aos fiéis, logo, na língua local e não apenas em latim, salvo em ocasiões especiais. Assim, também nesta forma, as leituras poderiam ser feitas por um leitor ordenado ou instituído, isto é, um fiel homem em hábitos litúrgicos.
Uma iniciativa bela e útil seria a introdução de alguns prefácios do novo missal, e o mesmo se diga da introdução de novos santos no calendário litúrgico tradicional.
8 ) Em Setembro de 2001, numa mensagem dirigida à sessão plenária da Congregação para o Culto Divino ( http://www.unavox.it/doc67.htm), João Paulo II afirmava que: «No Missal Romano, dito de São Pio V, como em diversas liturgias orientais, encontramos orações belíssimas com as quais o sacerdote exprime o mais profundo sentimento de humildade e de reverência em face dos mistérios sagrados: estas revelam a própria substância de toda a liturgia.» Será que podemos dizer que o Ofertório tridentino é uma dessas orações? Ou, ao contrário, deveremos considerar que a sua desaparição é um dos pontos positivos da reforma litúrgica, como é defendido por numerosos “bugninianos”, entre os quais Dom Raffin, que, numa sua contribuição para o livro “Inquérito sobre o Espírito da Liturgia”, publicado em “L’Homme Nouveau”, em 2003, veio declarar: «estou contente com a desaparição das orações do “ofertório”, em relação às quais estou em condições de provar o respectivo carácter heteróclito.»
AS: Em toda a história da liturgia romana, mas também nas liturgias orientais, o Ofertório sempre esteve ligado à realização do sacrifício do Gólgota. Não se tratava de preparar a Ceia, mas antes o sacrifício eucarístico que tem por fruto o banquete da comunhão eucarística. O que se oferece, oferece-se para o sacrifício da Cruz: é aquilo que poderíamos chamar de “antecipação simbólica”.
No Ofertório temos o eco de todos os sacrifícios do Antigo Testamento, desde os grandes ofertórios de Melquisedeque e de Abel. É uma progressão contínua até ao sacrifício do Gólgota. Por si só, esta visão bíblica justifica inteiramente o ofertório tradicional, para já não falarmos dos ritos orientais, que são ainda mais solenes na maneira como antecipam o Mistério da Cruz.
Da mesma maneira que para Santo Agostinho «o Novo Testamento estava escondido no Antigo Testamento», também nós poderíamos dizer que a Consagração está escondida no Ofertório.
Parece-me, pois, que o Ofertório tradicional poderá ser tudo menos heteróclito. Bem pelo contrário, o que eu diria é que ele é um puro resultado da lógica bíblica aplicada à história da Redenção.
9) Para uma melhor prática da liturgia, não acha que seria altura de rever a formação dada nos seminários? Se pensarmos na França, poderíamos aludir, entre outras coisas, ao ensino do latim, que, apesar de continuar a ser a língua sagrada da Igreja, já quase não é exercitado, e ainda o modo de tratar a celebração da liturgia ordinária, que frequentemente é deixada à inspiração de cada um … para já não falar também da possibilidade de descobrir a liturgia tradicional, que quase nunca se vê oferecida aos seminaristas. Sem pedirmos ao Senhor Dom Atanásio um juízo sobre o que se faz em França, será que nos poderia dizer como é que tudo isso é tratado no interior do seminário de Karaganda, o único seminário católico da Ásia central?
AS: Com efeito, a situação do ensino do latim por entre os seminaristas é preocupante em todo o mundo, e não apenas em França! É um estado de coisas que não só vai contra a vontade da Igreja e do Santo Padre, mas também contra a do concílio Vaticano II. A Constituição “Sacrosanctum concilium”, dedicada à sagrada liturgia, estipulava em termos claros que “O uso da língua latina, ressalvado o direito particular, deverá ser mantido nos ritos latinos” Na sua exortação apostólica “Sacramentum caritatis”, de Fevereiro de 2007, Bento XVI pedia “que os futuros sacerdotes, desde os tempos do seminário, sejam preparados para compreenderem e para celebrarem a Missa em latim, bem como para fazerem uso do canto gregoriano; não se deve descuidar a possibilidade de educar os próprios fiéis para ao conhecimento das orações mais comuns em latim, assim como para o canto gregoriano em certas partes da liturgia”.
É preciso que os sacerdotes tenham à-vontade no uso do latim. Penso que a Santa Missa (segundo a forma ordinária) deveria ser celebrada e ensinada em latim em todos os seminários, e, periodicamente, também na forma extraordinária. Isso seria de grande proveito para a própria dignidade da liturgia.
Em Karaganda, temos uma quinzena de seminaristas (para uma população de 150 000 católicos em todo o país) e procuramos que o latim ocupe um lugar importante no ciclo de estudos.
10) Nos países onde o catolicismo é apenas uma religião minoritária, ou até quando a sua expressão não é mais do que marginal, como é o caso do Cazaquistão (2% da população), o emprego da língua comum e da liturgia moderna é frequentemente apresentado como uma vantagem para a “incarnação do Evangelho nas culturas autóctones, e ao mesmo tempo” para “a inserção destas culturas na vida da Igreja”, de acordo com a definição de inculturação dada por João Paulo II na encíclica “Slavorum apostoli” (VI, 2). Tendo em conta a vossa experiência, poderia dizer-nos se a liturgia romana em latim e com o canto gregoriano — pouco importando neste caso que se trate da forma ordinária ou daquela extraordinária — representa, ou não, um obstáculo à inculturação do catolicismo na Ásia?
AS: É preciso que tenha presente que o contexto da Ásia Central é muito diferente daquele que conhece no continente europeu. É impossível deixar de sublinhar a herança deixada por 70 anos de regime soviético ou o peso que a presença muçulmana exerce na sociedade. E, ao mesmo tempo, está também sempre presente o elemento eslavo ortodoxo, assim como subsiste igualmente a dimensão bizantina. Culturalmente, podemos pois dizer que estamos longe do mundo latino.
Ainda que sejamos de rito romano, hoje em dia e neste contexto particular, celebrar a liturgia totalmente em língua latina seria algo difícil de realizar. Em contrapartida, poderíamos imaginar o uso duma língua eslava como língua litúrgica para, depois, introduzir progressivamente o latim nalgumas partes da liturgia.
Há dois precedentes históricos nesse sentido:
- No século IX, no seguimento do trabalho levado a cabo por Cirilo e Metódio, a Igreja autorizou o uso da língua eslava na Dalmácia, na Boémia e na Morávia, e esta disposição resistiu até ao concílio Vaticano II no que toca à Dalmácia, a actual Croácia.
- Em 1949, Pio XII emitiu um indulto permitindo aos sacerdotes da China que celebrassem a Missa em chinês, à excepção do Cânon, que deveria ser mantido em latim.
Estes dois precedentes históricos relativos ao rito romano são conhecidos no Cazaquistão (o país faz fronteira com a China) e poderiam servir de inspiração para uma iniciativa da Santa Sé em favor do uso da língua russa para a forma extraordinária do rito romano.