terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A Santa Missa na História e na Mística (O Sumo Sacerdote)





O SUMO SACERDOTE.


                Da leitura da epístola de São Paulo aos hebreus colhe-se que o sacerdote ou o pontífice é aquele que é chamado por Deus, e escolhido dentre os homens, para ser deputado a ofertar sacrifícios pelos homens e a dispensar outros mistérios divinos (Heb 5, 1).
                E este homem, eleito dentre os homens por Deus, é , segundo a mesma epístola, o próprio Jesus Cristo. Sim. Cristo homem foi constituído por Deus, no mais rigoroso sentido da palavra, Sumo Sacerdote ou Sumo Pontífice na Igreja! E os Concílios Efesino e Tridentino, interpretando a Carta do Apóstolo sob a direção do Espírito santo, consignam que Cristo é o pontífice e o Apóstolo dos homens, e que se ofereceu por eles a si mesmo a Deus Pai, sobre o altar da Cruz, expiando-lhes os pecados e redimindo-os da morte eterna.
                Cristo se ofereceu a si mesmo em sacrifício, é sacrificador e sacrificado.
                Cristo, portanto é sacrificador; é sacerdote, que quer dizer pessoa sagrada, que oferece a Deus coisas sagradas, como dádivas e sacrifícios.
                Cristo é sacerdote na plena acepção da palavra, pois nele divisamos os três requisitos que são Paulo aponta para todo sacerdote.
                Para alguém ser sacerdote do Altíssimo deve ser chamado por Deus dentre os homens; deve ser deputado a desempenhar os ofícios e as cerimônias que visam relacionar os homens com Deus e que traduzem a estrita dependência daqueles deste; deve, finalmente, oferecer a Deus os dons e sacrifícios, que os homens lhe atribuem em satisfação dos seus pecados (Heb 5, 1).
                Ora, Cristo, como da mesma epístola se colhe, é verdadeiro homem descendente de estirpe de Adão; e é o chamado ao sacerdócio por deus: “Assim também Cristo não se glorificou a si mesmo, a fim de se tornar Pontífice (Sacerdote), mas (foi glorificado por) aquele que lhe disse: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Heb 5, 5).
                Desta forma realiza-se em cristo o primeiro requisito para que se lhe atribua a dignidade sacerdotal: É homem eleito por Deus dentre os homens.
                O segundo requisito não falha também, não. Em Cristo temos aquele mediador, qual há de ser o sacerdote, entre Deus e os homens, que deve reconciliar os filhos rebeldes com o Pai. Di-lo expressamente o apóstolo na mesma epístola, com as palavras: “E tornou-se a causa da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Heb 5, 9).
                O terceiro requisito para que alguém seja sacerdote, é poder ofertar a Deus dádivas e sacrifícios em nome do povo, e em satisfação das culpas e penas. Mas isto temos em Cristo segundo as palavras de são Paulo: “Cristo se ofereceu a si mesmo (em sacrifício) para apagar os pecados de muitos” (Heb 9, 28).
                Cristo, portanto, é Sacerdote. É mais: é Sumo Sacerdote.
                Quão bem desenvolve e demonstra são Paulo esta verdade!
                Na mesma carta aos hebreus apresenta Melquisedec como perfeito protótipo do sacerdócio de Cristo. Diz simplesmente que Cristo é sacerdote segundo a ordem de Melquisedec (Heb 5, 6; Sl 109, 4).

Melquisedec representado em um vitral.
                Mas quem era Melquisedec?

                Era rei de salém, sacerdote de Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão, quando este voltava de destroçar os reis, e o abençoou. Por isso Abraão deu-lhe o dízimo de todos os despojos...
                Daqui se colhe quão grande deve ter sido ele para até o Patriarca Abraão lhe dar os dízimos dos melhores bens. E certamente os que dentre os filhos de David recebem o sacerdócio têm o dever, conforme a lei, de receber dízimos do povo, i. é, de seus irmãos, posto que também eles sejam oriundos do sangue de Abraão (Heb 7, 1, 2, 4, 5).
                Do dito avalia São Paulo a grandeza do sacerdócio de Cristo e a sua superioridade ao sacerdócio de Aarão; por isso argumenta assim: - Os sacerdotes levíticos recebem os dízimos de seus próprios irmãos, porquanto descendentes dum e mesmo sangue, sangue de Abraão; o sacerdote Melquisedec, ao contrário, recebe de Abraão mesmo, pai de Israel. Mas isto proclama bem alto que Abraão se declarava inferior a Melquisedec; pois foi quem recebeu a benção; e quem “é inferior recebe a benção do superior” (Heb 7, 7). Fato este digno de especial consideração; pois Abraão era o depositário das promessas divinas, por vocação particular de Deus, distinguido dentre os demais homens, acumulado de bens e favores excepcionais e abençoado por Deus mesmo.
Sabia-o Abraão. Nenhum mortal lhe era superior; nenhum outro povo fora contemplado por Deus como o que dele haveria de nascer. Se, portanto, Abraão de dízimos e pediu a benção de Melquisedec, fê-lo só porque viu em Melquisedec, por especial inspiração divina, o Sacerdote que havia de vir: o Sumo Sacerdote, Jesus Cristo.
Não é difícil ver nisso a grande dignidade do sacerdote Melquisedec  ou antes do que ele representava, a saber, de Jesus Cristo. E, assim como Abraão contemplara Melquisedec superior a si em dignidade sacerdotal, assim seus descendentes, que compunham o sacerdócio levítico, o contemplaram superior a si mesmos; porquanto o próprio David pagou os dízimos a Melquisedec na pessoa de Abraão.
Sobreleva-se ainda esta dignidade do sacerdócio de Melquisedec, se se contempla a imperfeição do sacerdócio levítico. Muito bem nota São Paulo, que assim observa: “ Se a perfeição tivesse podido ser realizada pelo sacerdócio levítico... que necessidade havia de que surgisse depois outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec e não segundo a ordem de Aarão? Pois, mudado o sacerdócio, é necessário que muda também a lei” (Heb 7, 11, 12).
Querendo Deus acabar de vez com a figura para passar ao figurado, mostrou aos homens que a figura do sacerdote do Novo Testamento já não seria Aarão e seus descendentes, (pois, que era a casa sacerdotal não em figura, mas em realidade) e sim Melquisedec.
E quão sábia e engenhosamente ordenou Deus isto!
O Sacerdote da Nova Lei não podia deixar de ser um único; pois um único seria o sacrifício.
Ora, qual a figura, afora Melquisedec, que preenche os dois requisitos?
Melquisedec é a única, de todas as figuras de sacerdotes da Lei Antiga, que se amolda perfeitamente assim ao sacerdote como ao sacrifício da Nova Lei.
Um único foi Melquisedec, um único foi o sacrifício por ele oferecido a Deus: Um único foi Cristo, um único foi o sacrifício por ele oferecido a Deus Pai.
Sim, Melquisedec foi o protótipo único de Cristo sacerdote; porque para Deus não pode haver mais que um sacerdote que faz juramento de o ser por todo o sempre. Fê-lo Cristo, não já Aarão e seus sucessores, como no-lo diz São Paulo: “Cristo foi declarado sacerdote por juramento divino.  E por isso mesmo, Jesus se tornou fiador duma aliança melhor (Heb 7, 20, 21, 22). Os outros foram feitos sacerdotes em grande número, porque a morte não lhes permitia durar sempre; mas este, porque permanece para sempre, tem um sacerdócio que não passa (Heb 7, 23ss). Cristo, portanto, é o único sacerdote da Nova Lei, e isto segundo a ordem de Melquisedec.
Mas não é só o único sacerdote, é também o único sacrifício da nova Aliança; e isto outra vez segundo a ordem de Melquisedec e não de Aarão; porque, no dizer de São Paulo, a santidade e excelência do sacrifício de Cristo é tanta que Cristo não precisa como os sacerdotes levíticos de oferecer sacrifícios todos os dias. Um único sacrifício de Cristo satisfez a Deus pelos pecados, não só de um povo, digamos judaico, mas de todos os povos; não só pelos pecados de todos os povos dos tempos passados ou presentes, mas também dos tempos futuros, até à consumação dos séculos. É que Cristo oferecendo a Deus o grande sacrifício não precisava oferecer antes um outro por seus próprios pecados, como os sacerdotes de Aarão, pois que era imaculado, segregado dos pecadores.
Também nisso é Cristo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, pois, como este, também Cristo ofereceu um único sacrifício.
Por todos estes motivos é Cristo chamado por São Paulo de Sumo Pontífice da Nova Aliança, o Sacerdote por excelência.

Cristo-Sacerdote

Cristo é, segundo a ordem de Melquisedec, o sacerdote por excelência, o Sumo Sacerdote, Superior a todos os sacerdotes da Lei Antiga; mas é também, segundo a ordem de Melquisedec, o sacerdote Rei; porque Melquisedec é o tipo de Cristo-Rei.
Rei foi Melquisedec, além de sacerdote. Rei é Cristo, além de sacerdote Mas, como Melquisedec não foi rei qualquer, assim o não é Cristo. Malkizedek significa “rei de justiça” (Heb 7,2). Ora, Cristo fora anunciado desde séculos como o “Pai da Justiça”. Foi de Cristo, o prometido Messias, que Jeremias disse: “Àquele tempo farei brotar a David um renovo de justiça, que fará juízo e justiça na terra” (Jer 33, 15).
A figura de Melquisedec, rei de Salém, não falha no figurado, Jesus Cristo, Rei de Salém, i. é, da paz.
Quem melhor que Cristo merece o título de Rei da Paz? Já Isaías o anunciou sob este nome: “O Príncipe da Paz” (Is 9, 5).
Sim, ninguém sabe e pode dar ao mundo a paz que dá Cristo. Ele dá a paz, não como a dá o mundo (Jo 14, 27). Dá a paz que o mundo ignora: a paz da alma, dos corações. Onde Cristo domina só pode dominar a paz; pois Cristo e paz são termos idênticos. “Ele mesmo será a paz” (Miq 5, 5).
Melquisedec é ainda a figura fiel de Cristo quanto à sua origem. Melquisedec aparece na Sagrada Escritura “sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias, sem fim de vida e tornou-se assim semelhante ao Filho de Deus” (Heb 7, 3), “que é sem pai aqui na Terra, como homem, e sem mãe lá no céu, como Deus”, no dizer de São Crisóstomo.

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Diz-se ainda Cristo, Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, porque, como ofereceu a Deus o sacrifício de pão e vinho, assim Cristo oferece a Deus a si mesmo em sacrifício sob as espécies de pão e vinho.

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Há em cristo-Sacerdote, finalmente, mais uma nota que não se pode aqui passar em silêncio. Ele é sacerdote “in aeternum”; e isto outra vez, segundo a ordem de Melquisedec, como consta das palavras reveladas: “Tu é sacerdote por toda a eternidade, segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109, 4); e São Paulo confirma isto mesmo, dizendo: “Este (Cristo) permanece para sempre, tem um sacerdócio que não passa” (Heb 7, 24).
O sacerdócio de Cristo teve princípio, mas não terá fim. Cristo foi feito sacerdote no tempo, e já no primeiro instante de sua conceição; e exerceu o sacerdócio mediante a natureza humana, em virtude da união hipostática; e continua a exercê-lo no céu, e na terra sobre nossos altares, oferecendo-se a si mesmo como sacerdote e sacrifício, como sacrificante e sacrificado na pessoa de seus vigários visíveis, os sacerdotes católicos.
Cristo, portanto, é o Sacerdote principal; melhor, é o único Sacerdote da Nova Aliança, cuja duração é eterna, infinita. Exerceu na cruz o ofício de sacerdote de modo visível e foi nela a vítima cruenta; nos nossos dias continua a exercer invisível mente o mesmo ofício e a sacrificar-se, incruentamente, nos nossos altares. Para ser de algum modo visível, fá-lo mediante homens, que investe de seu poder sacerdotal, dizemos-lhes: “Fazei isto em memória de mim”.
Daqui provém toda a dignidade do sacerdócio na Igreja Católica. Daqui o apelidar-se o sacerdote católico de “alter Christus” – outro Cristo. Daqui o atribuir-se ao sacerdote católico o que se atribui a Cristo, dizendo ele: “Tu es sacerdos in aeternum secundum ordinem Melchisedec” (Sl 109, 4).
E isto tudo se diz do sacerdote católico, porque não é mero instrumento nas mãos de cristo, como o é a pena com que escrevo, mas é algo mais.
Explico-me: O instrumento não merece louvor, honra e glória; pois quem tal tributaria a uma pena, embora concorra para produzir obra prima de literatura? É que a pena age segundo for movida pelo escritor, como causa sua principal; e tanto faz quanto direta e indiretamente é movida; nada mais e nada menos.
Não assim o sacerdote; é algo mais nas mãos de Cristo. O sacerdote é mais que instrumento, é mais que mera causa instrumental: é causa ministerial. A causa ministerial consiste em que ela subministra e prepara tudo que o agente deve ter ou é conveniente que tenha para poder agir; porque assim o reclama, quer a disposição intrínseca da coisa, quer a disposição extrínseca e positiva do mandante.
A causa ministerial, portanto, deve ser dotada de inteligência e vontade; pode, por conseguinte, frustrar, até certo ponto, os intentos do que dela pretende valer-se, não mesmo excluído o próprio Deus. Pode tornar-se conseguintemente desmerecedora ou merecedora das suas obras, porque delas responsável.
Daqui a dignidade suma e a responsabilidade tremenda do sacerdote, vigário de Cristo.
Não é mero instrumento nas mãos de Cristo-Sacerdote; mas é um meio ministerial. Deu-se a Jesus livremente de corpo e alma, para, por seu meio, exercer as funções sacerdotais e perpetuar em sua pessoa o sacerdócio visível cá no mundo.
Cristo-Sacerdote veria irremediavelmente frustrada a sua obra de redenção, no dia em que já não contasse com um homem sacerdote; não porque não lhe fosse possível uma nova ordem de coisas  na grande e maravilhosa economia da redenção do gênero humano, mas porque a suave providência divina assim dispôs.
Cristo, o Sumo Sacerdote, o Sacerdote principal, continuará a exercer seus atos sacerdotais na terra só na pessoa de seus vigários visíveis: os sacerdotes católicos legítimos.
Deus, na sua infinita Providência, vigiará e fará com que seu divino Filho possa encontrar sempre, até a consumação dos séculos, homens dignos e fiéis que se prestem com jubilo e alvoroço como suas causas ministeriais, para que possa dispensar, por intermédio deles, os frutos inestimáveis do sacrifício da cruz, renovado de modo incruento no santo Sacrifício da Missa.

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Ó grande Pontífice! Ó Sumo Sacerdote, Jesus cristo, é então verdade que pusestes nestas criaturas, que se dizem homens, os vossos complacentes olhares?
“Ecce ancilla Domini, fiat mihi secundum verbum tuum.” Como a Virgem Maria, dado o seu consentimento, se tornou co-redentora do gênero humano, assim estas criaturas dão o seu consentimento, e tornam-se sacerdotes vossos; antes tornam-se um outro vós, um “outro Cristo” – Alter Christus. – Cala-te, língua! Pára, pena! Porque é mais importante o silêncio e mais significativa a carta em branco!


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 Publicado Anteriormente:
Introdução.