O SUMO SACERDOTE.
Da
leitura da epístola de São Paulo aos hebreus colhe-se que o sacerdote ou o
pontífice é aquele que é chamado por Deus, e escolhido dentre os homens, para
ser deputado a ofertar sacrifícios pelos homens e a dispensar outros mistérios
divinos (Heb 5, 1).
E
este homem, eleito dentre os homens por Deus, é , segundo a mesma epístola, o
próprio Jesus Cristo. Sim. Cristo homem foi constituído por Deus, no mais
rigoroso sentido da palavra, Sumo Sacerdote ou Sumo Pontífice na Igreja! E os
Concílios Efesino e Tridentino, interpretando a Carta do Apóstolo sob a direção
do Espírito santo, consignam que Cristo é o pontífice e o Apóstolo dos homens,
e que se ofereceu por eles a si mesmo a Deus Pai, sobre o altar da Cruz,
expiando-lhes os pecados e redimindo-os da morte eterna.
Cristo
se ofereceu a si mesmo em sacrifício, é sacrificador e sacrificado.
Cristo,
portanto é sacrificador; é sacerdote, que quer dizer pessoa sagrada, que
oferece a Deus coisas sagradas, como dádivas e sacrifícios.
Cristo
é sacerdote na plena acepção da palavra, pois nele divisamos os três requisitos
que são Paulo aponta para todo sacerdote.
Para
alguém ser sacerdote do Altíssimo deve ser chamado por Deus dentre os homens;
deve ser deputado a desempenhar os ofícios e as cerimônias que visam relacionar
os homens com Deus e que traduzem a estrita dependência daqueles deste; deve,
finalmente, oferecer a Deus os dons e sacrifícios, que os homens lhe atribuem
em satisfação dos seus pecados (Heb 5, 1).
Ora,
Cristo, como da mesma epístola se colhe, é verdadeiro homem descendente de
estirpe de Adão; e é o chamado ao sacerdócio por deus: “Assim também Cristo não
se glorificou a si mesmo, a fim de se tornar Pontífice (Sacerdote), mas (foi
glorificado por) aquele que lhe disse: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Heb
5, 5).
Desta
forma realiza-se em cristo o primeiro requisito para que se lhe atribua a
dignidade sacerdotal: É homem eleito por Deus dentre os homens.
O
segundo requisito não falha também, não. Em Cristo temos aquele mediador, qual
há de ser o sacerdote, entre Deus e os homens, que deve reconciliar os filhos
rebeldes com o Pai. Di-lo expressamente o apóstolo na mesma epístola, com as
palavras: “E tornou-se a causa da salvação eterna para todos os que lhe
obedecem” (Heb 5, 9).
O
terceiro requisito para que alguém seja sacerdote, é poder ofertar a Deus
dádivas e sacrifícios em nome do povo, e em satisfação das culpas e penas. Mas
isto temos em Cristo segundo as palavras de são Paulo: “Cristo se ofereceu a si
mesmo (em sacrifício) para apagar os pecados de muitos” (Heb 9, 28).
Cristo,
portanto, é Sacerdote. É mais: é Sumo Sacerdote.
Quão
bem desenvolve e demonstra são Paulo esta verdade!
Na
mesma carta aos hebreus apresenta Melquisedec como perfeito protótipo do
sacerdócio de Cristo. Diz simplesmente que Cristo é sacerdote segundo a ordem
de Melquisedec (Heb 5, 6; Sl 109, 4).
Melquisedec representado em um vitral. |
Mas
quem era Melquisedec?
Era
rei de salém, sacerdote de Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão,
quando este voltava de destroçar os reis, e o abençoou. Por isso Abraão deu-lhe
o dízimo de todos os despojos...
Daqui
se colhe quão grande deve ter sido ele para até o Patriarca Abraão lhe dar os
dízimos dos melhores bens. E certamente os que dentre os filhos de David
recebem o sacerdócio têm o dever, conforme a lei, de receber dízimos do povo,
i. é, de seus irmãos, posto que também eles sejam oriundos do sangue de Abraão
(Heb 7, 1, 2, 4, 5).
Do
dito avalia São Paulo a grandeza do sacerdócio de Cristo e a sua superioridade
ao sacerdócio de Aarão; por isso argumenta assim: - Os sacerdotes levíticos
recebem os dízimos de seus próprios irmãos, porquanto descendentes dum e mesmo
sangue, sangue de Abraão; o sacerdote Melquisedec, ao contrário, recebe de
Abraão mesmo, pai de Israel. Mas isto proclama bem alto que Abraão se declarava
inferior a Melquisedec; pois foi quem recebeu a benção; e quem “é inferior
recebe a benção do superior” (Heb 7, 7). Fato este digno de especial
consideração; pois Abraão era o depositário das promessas divinas, por vocação
particular de Deus, distinguido dentre os demais homens, acumulado de bens e
favores excepcionais e abençoado por Deus mesmo.
Sabia-o
Abraão. Nenhum mortal lhe era superior; nenhum outro povo fora contemplado por
Deus como o que dele haveria de nascer. Se, portanto, Abraão de dízimos e pediu
a benção de Melquisedec, fê-lo só porque viu em Melquisedec, por especial
inspiração divina, o Sacerdote que havia de vir: o Sumo Sacerdote, Jesus
Cristo.
Não é difícil
ver nisso a grande dignidade do sacerdote Melquisedec ou antes do que ele representava, a saber, de
Jesus Cristo. E, assim como Abraão contemplara Melquisedec superior a si em
dignidade sacerdotal, assim seus descendentes, que compunham o sacerdócio
levítico, o contemplaram superior a si mesmos; porquanto o próprio David pagou
os dízimos a Melquisedec na pessoa de Abraão.
Sobreleva-se
ainda esta dignidade do sacerdócio de Melquisedec, se se contempla a
imperfeição do sacerdócio levítico. Muito bem nota São Paulo, que assim
observa: “ Se a perfeição tivesse podido ser realizada pelo sacerdócio
levítico... que necessidade havia de que surgisse depois outro sacerdote,
segundo a ordem de Melquisedec e não segundo a ordem de Aarão? Pois, mudado o
sacerdócio, é necessário que muda também a lei” (Heb 7, 11, 12).
Querendo Deus
acabar de vez com a figura para passar ao figurado, mostrou aos homens que a
figura do sacerdote do Novo Testamento já não seria Aarão e seus descendentes,
(pois, que era a casa sacerdotal não em figura, mas em realidade) e sim
Melquisedec.
E quão sábia e
engenhosamente ordenou Deus isto!
O Sacerdote da
Nova Lei não podia deixar de ser um único; pois um único seria o sacrifício.
Ora, qual a
figura, afora Melquisedec, que preenche os dois requisitos?
Melquisedec é
a única, de todas as figuras de sacerdotes da Lei Antiga, que se amolda
perfeitamente assim ao sacerdote como ao sacrifício da Nova Lei.
Um único foi
Melquisedec, um único foi o sacrifício por ele oferecido a Deus: Um único foi
Cristo, um único foi o sacrifício por ele oferecido a Deus Pai.
Sim,
Melquisedec foi o protótipo único de Cristo sacerdote; porque para Deus não
pode haver mais que um sacerdote que faz juramento de o ser por todo o sempre.
Fê-lo Cristo, não já Aarão e seus sucessores, como no-lo diz São Paulo: “Cristo
foi declarado sacerdote por juramento divino.
E por isso mesmo, Jesus se tornou fiador duma aliança melhor (Heb 7, 20,
21, 22). Os outros foram feitos sacerdotes em grande número, porque a morte não
lhes permitia durar sempre; mas este, porque permanece para sempre, tem um
sacerdócio que não passa (Heb 7, 23ss). Cristo, portanto, é o único sacerdote
da Nova Lei, e isto segundo a ordem de Melquisedec.
Mas não é só o
único sacerdote, é também o único sacrifício da nova Aliança; e isto outra vez
segundo a ordem de Melquisedec e não de Aarão; porque, no dizer de São Paulo, a
santidade e excelência do sacrifício de Cristo é tanta que Cristo não precisa
como os sacerdotes levíticos de oferecer sacrifícios todos os dias. Um único
sacrifício de Cristo satisfez a Deus pelos pecados, não só de um povo, digamos
judaico, mas de todos os povos; não só pelos pecados de todos os povos dos
tempos passados ou presentes, mas também dos tempos futuros, até à consumação
dos séculos. É que Cristo oferecendo a Deus o grande sacrifício não precisava
oferecer antes um outro por seus próprios pecados, como os sacerdotes de Aarão,
pois que era imaculado, segregado dos pecadores.
Também nisso é
Cristo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, pois, como este, também Cristo
ofereceu um único sacrifício.
Por todos
estes motivos é Cristo chamado por São Paulo de Sumo Pontífice da Nova Aliança,
o Sacerdote por excelência.
Cristo-Sacerdote |
Cristo é, segundo
a ordem de Melquisedec, o sacerdote por excelência, o Sumo Sacerdote, Superior
a todos os sacerdotes da Lei Antiga; mas é também, segundo a ordem de
Melquisedec, o sacerdote Rei; porque Melquisedec é o tipo de Cristo-Rei.
Rei foi
Melquisedec, além de sacerdote. Rei é Cristo, além de sacerdote Mas, como
Melquisedec não foi rei qualquer, assim o não é Cristo. Malkizedek significa
“rei de justiça” (Heb 7,2). Ora, Cristo fora anunciado desde séculos como o
“Pai da Justiça”. Foi de Cristo, o prometido Messias, que Jeremias disse:
“Àquele tempo farei brotar a David um renovo de justiça, que fará juízo e
justiça na terra” (Jer 33, 15).
A figura de
Melquisedec, rei de Salém, não falha no figurado, Jesus Cristo, Rei de Salém,
i. é, da paz.
Quem melhor
que Cristo merece o título de Rei da Paz? Já Isaías o anunciou sob este nome:
“O Príncipe da Paz” (Is 9, 5).
Sim, ninguém
sabe e pode dar ao mundo a paz que dá Cristo. Ele dá a paz, não como a dá o
mundo (Jo 14, 27). Dá a paz que o mundo ignora: a paz da alma, dos corações.
Onde Cristo domina só pode dominar a paz; pois Cristo e paz são termos
idênticos. “Ele mesmo será a paz” (Miq 5, 5).
Melquisedec é
ainda a figura fiel de Cristo quanto à sua origem. Melquisedec aparece na
Sagrada Escritura “sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias, sem
fim de vida e tornou-se assim semelhante ao Filho de Deus” (Heb 7, 3), “que é
sem pai aqui na Terra, como homem, e sem mãe lá no céu, como Deus”, no dizer de
São Crisóstomo.
* * *
Diz-se ainda
Cristo, Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, porque, como ofereceu a Deus
o sacrifício de pão e vinho, assim Cristo oferece a Deus a si mesmo em
sacrifício sob as espécies de pão e vinho.
* * *
Há em
cristo-Sacerdote, finalmente, mais uma nota que não se pode aqui passar em
silêncio. Ele é sacerdote “in aeternum”; e isto outra vez, segundo a ordem de
Melquisedec, como consta das palavras reveladas: “Tu é sacerdote por toda a
eternidade, segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109, 4); e São Paulo confirma
isto mesmo, dizendo: “Este (Cristo) permanece para sempre, tem um sacerdócio
que não passa” (Heb 7, 24).
O sacerdócio
de Cristo teve princípio, mas não terá fim. Cristo foi feito sacerdote no
tempo, e já no primeiro instante de sua conceição; e exerceu o sacerdócio
mediante a natureza humana, em virtude da união hipostática; e continua a
exercê-lo no céu, e na terra sobre nossos altares, oferecendo-se a si mesmo
como sacerdote e sacrifício, como sacrificante e sacrificado na pessoa de seus
vigários visíveis, os sacerdotes católicos.
Cristo,
portanto, é o Sacerdote principal; melhor, é o único Sacerdote da Nova Aliança,
cuja duração é eterna, infinita. Exerceu na cruz o ofício de sacerdote de modo
visível e foi nela a vítima cruenta; nos nossos dias continua a exercer
invisível mente o mesmo ofício e a sacrificar-se, incruentamente, nos nossos
altares. Para ser de algum modo visível, fá-lo mediante homens, que investe de
seu poder sacerdotal, dizemos-lhes: “Fazei isto em memória de mim”.
Daqui provém
toda a dignidade do sacerdócio na Igreja Católica. Daqui o apelidar-se o
sacerdote católico de “alter Christus” – outro Cristo. Daqui o atribuir-se ao
sacerdote católico o que se atribui a Cristo, dizendo ele: “Tu es sacerdos in
aeternum secundum ordinem Melchisedec” (Sl 109, 4).
E isto tudo se
diz do sacerdote católico, porque não é mero instrumento nas mãos de cristo,
como o é a pena com que escrevo, mas é algo mais.
Explico-me: O
instrumento não merece louvor, honra e glória; pois quem tal tributaria a uma
pena, embora concorra para produzir obra prima de literatura? É que a pena age
segundo for movida pelo escritor, como causa sua principal; e tanto faz quanto
direta e indiretamente é movida; nada mais e nada menos.
Não assim o
sacerdote; é algo mais nas mãos de Cristo. O sacerdote é mais que instrumento,
é mais que mera causa instrumental: é causa ministerial. A causa ministerial
consiste em que ela subministra e prepara tudo que o agente deve ter ou é
conveniente que tenha para poder agir; porque assim o reclama, quer a
disposição intrínseca da coisa, quer a disposição extrínseca e positiva do
mandante.
A causa ministerial,
portanto, deve ser dotada de inteligência e vontade; pode, por conseguinte,
frustrar, até certo ponto, os intentos do que dela pretende valer-se, não mesmo
excluído o próprio Deus. Pode tornar-se conseguintemente desmerecedora ou
merecedora das suas obras, porque delas responsável.
Daqui a
dignidade suma e a responsabilidade tremenda do sacerdote, vigário de Cristo.
Não é mero
instrumento nas mãos de Cristo-Sacerdote; mas é um meio ministerial. Deu-se a
Jesus livremente de corpo e alma, para, por seu meio, exercer as funções
sacerdotais e perpetuar em sua pessoa o sacerdócio visível cá no mundo.
Cristo-Sacerdote
veria irremediavelmente frustrada a sua obra de redenção, no dia em que já não
contasse com um homem sacerdote; não porque não lhe fosse possível uma nova
ordem de coisas na grande e maravilhosa
economia da redenção do gênero humano, mas porque a suave providência divina
assim dispôs.
Cristo, o Sumo
Sacerdote, o Sacerdote principal, continuará a exercer seus atos sacerdotais na
terra só na pessoa de seus vigários visíveis: os sacerdotes católicos
legítimos.
Deus, na sua
infinita Providência, vigiará e fará com que seu divino Filho possa encontrar
sempre, até a consumação dos séculos, homens dignos e fiéis que se prestem com
jubilo e alvoroço como suas causas ministeriais, para que possa dispensar, por
intermédio deles, os frutos inestimáveis do sacrifício da cruz, renovado de
modo incruento no santo Sacrifício da Missa.
* * *
Ó grande
Pontífice! Ó Sumo Sacerdote, Jesus cristo, é então verdade que pusestes nestas
criaturas, que se dizem homens, os vossos complacentes olhares?
“Ecce ancilla
Domini, fiat mihi secundum verbum tuum.” Como a Virgem Maria, dado o seu
consentimento, se tornou co-redentora do gênero humano, assim estas criaturas
dão o seu consentimento, e tornam-se sacerdotes vossos; antes tornam-se um
outro vós, um “outro Cristo” – Alter Christus. – Cala-te, língua! Pára, pena!
Porque é mais importante o silêncio e mais significativa a carta em branco!
* * *
Publicado Anteriormente:
Introdução.
Introdução.